domingo, 27 de dezembro de 2009

Par ou ímpar?

- É verdade - disse ela sem medo - que eu sinto falta disso tudo! Sinto mesmo. Sinto falta de você e você finge que não sabe que existe em mim. Você tá aqui - pousou levemente a mão no coração - dentro de mim e me dói. Meu Deus do céu, você me dói!

Tinha os olhos marejados de lágrimas. Ficou um tempo respirando, puxando força para dentro de si. Nunca foi covarde, mas hoje a coragem existia nela como uma rainha forte que avassala os inimigos sem piedade, sem olhar para trás. Levantou os olhos devagar, encarou-o bem: seus olhos procuravam a alma dele.

- Eu quis você. Eu desejei fazer parte de ti. Você estava naquela árvore, olhando para mim, se afastando daquela menina para que eu não pensasse que existia algo entre vocês. Você fez comparações bobas sobre sua camisa azul-marinho e a minha vermelha. Você me quis e não teve coragem de falar, de demonstrar, de tocar. Você teve medo de que o pouco que sentia por mim crescesse.

Ficou séria. Respirou fundo mais uma vez, continuou a encará-lo, mas sem lágrimas:

- Você tem medo de me olhar nos olhos! – sua voz saía firme – Você tem receio da minha presença.

Ficou olhando-o na esperança que ele dissesse algo. Lembrou do carro, das pessoas.

- Eu estava me sentindo tão nós quando te ensinei a dirigir e paramos naquela loja de conveniência. Eram os anos sessenta, né? Nos perdemos por alguns minutos e eu fiquei feliz ao saber que havia perguntado por mim. Existiam ligações entre nossas almas, ou existem, não sei. Estou perdida com toda essa história. Será tudo isso verdade, você pode me dizer?

Ele ficou em silêncio. Estava perplexo. Totalmente sem ação. Sentia algumas dessas aproximações, mas era como se não a conhecesse conhecendo-a. Confusões brotavam em sua cabeça, bagunçavam-lhe os sentidos e sensações. Eram lembranças boas, mas não eram desse presente. Podia tomar essas lembranças como reais? Sabia que sim, que podia, mas não aceitava. Como era difícil aceitar.

- Eu sei que esteve comigo na noite passada. Não consigo lembrar, mas sei da sua presença. Você podia ter me contado, facilitaria muita coisa para nós hoje. Porém, você se prendeu mais uma vez. Embora você fugisse do assunto, eu estava lá te encorajando, e você não deixava que as palavras saíssem.

Ele lembrou. Passaram a noite juntos, conversaram. Não se lembrava de todas as partes da conversa, mas ela havia dito tudo, ele também. Foi uma noite doce. A companhia dela era sempre agradável, tão linda. Observava-a e ela nem imaginava. Gostava quando o cabelo dela ficava solto, combinava com o sorriso. Os gestos largos, tão dela. Sentiu-se culpado. Ela falou mais uma vez:

- Recebi uma mensagem no celular uma vez, dizia, entre outras coisas, que eu não deixasse de pensar em você. Tomei aquilo como um sinal e resolvi não parar de pensar em você, porque eu havia decidido, sabe, tinha decidido que não ia alimentar sua presença na minha imaginação. E continuei. Acho que me iludi . Só acho, porque essa certeza me machucaria.

Sorriu sem graça, com a cabeça baixa.

Ele ficou olhando para ela. Ainda perplexo.

- Estou tomando uma decisão agora, acho que você sabe. Creio que você tem levemente o conhecimento disso. Estou te deixando. Estou indo embora desse sentimento que me apega a você. Você está livre dessa pressão invisível que minha alma causa na sua. Desculpe, não queria que levantasse bloqueios contra mim. Mas antes de ir embora totalmente, quero te dizer uma coisa: você deve se permitir, ok? Não tenha medo. Lute contra suas limitações – respirou com alívio - Agora eu posso ir por completo.

E foi. Ela foi embora.

Ele estava mais leve. Sem pressões. Mas sentia que ia perdê-la. Ficou quieto. O silêncio dele ia virar arrependimento, em algum momento alguém soube isso. Achou que o sentimento de perda não era significante. Um erro, as pessoas não estão à nossa disposição. E as emoções nunca são constantes.

Ela estava livre. Feliz também. O que sentia por ele ainda existia, mas eram sentimentos sem lágrimas, sem culpa. Sem angústia a tapar-lhe o peito. Livre.

No outro dia, beijaram as faces um do outro com carinho e deram um abraço intenso. Os olhares se pousavam por poucos segundos. Os toques causavam arrepios em ambos e um não sabia disso no outro. O ar estava solto, sem densidades.

Os dias faziam promessas, era um jogo: sorte ou azar?

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Ela de todos nós.

É uma menina encabulada. Não, não é pequena. Condensada e guarda um mundo todo dentro dela.
Um mundo maior do que qualquer um possa imaginar: ninguém vê, mas às vezes pesa. Uma menina que carrega mais coisas na memória do coração metafórico do que na física dor do peso. Sem ombros curvados hoje, beibe.

- SEM OMBROS CURVADOS NOS PRÓXIMOS DIAS. - Gritou, usando todo o ar dos pulmões.

Seguiu o caminho escutando a música que escolheu para a descoberta. Rebolou os braços e balançou o quadril. Fechou os olhos e seguiu.

~> De olhos para dentro: revela-se que não há solidão quando se tem um mundo todinho para ser desvendado.

E ela? Talvez ela nem mesmo exista aos nossos olhos. E o que importa? O bom mesmo é quando ela vem até você, cola os lábios na sua testa, te pega pela mão e leva você ao lugar secreto: o interior dos interiores.

Um nome? Ela tem vários, o mais comum é Consciência.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Prece

O que mais desejo é que a fonte que em mim transborda possa ser sempre de novas águas. Que Deus tenha piedade desse vasto mundo de águas heterogêneas que em mim vive. Não saberei ser se essa fonte secar. Preciso do excesso de sentires para saber que sou e que vivo.

Carma

Não sei porque insisto. Não sei. Insistir em escrever, digo. Mas não faz diferença. Nem sei por que estou aqui, pra começar. Talvez pela estranheza. A verdade é que não sei usar despedidas. Simplesmente sumo, me parece mais fácil e menos doloroso: sopro de vida em outro lugar. Novidade maquiada. Mas você se arrasta sempre dentro de mim. Como um amuleto, não sei se dá sorte ou azar. Acho que os dois.



Um punhado de trevo dequatrofolhas e um espelho quebrado.
Só adicione um pouco de água.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Desafogo.

"Toda trilha é andada com a fé

De quem crê no ditado

de que o dia insiste em nascer"


Primeiro paro diante do espelho e me observo: falta água.

Estou murcha, perdi algumas pétalas e os espinhos não me protegem como antes, pelo contrário. Estou seca, sem adubo, perdendo a vida e o verde já não me veste mais. O marrom anda combinando mais com meus olhos, que estão tristes, mas ainda lutam por um pouco de amor. Vou me desfolhar, me despetalar e isso vai doer – embora já esteja doendo ainda que não assuma – até que, finalmente, eu veja um pequeno botão cor vermelho-sangue, esse vermelho que sempre me vestiu bem, que mostra o ápice da existência na minha íris, que me faz inspirar – e encontrar - o cheiro de vida no meio da decomposição de uma era que foi difícil dizer adeus. Então eu vou escutar todas as músicas, rever todas as lembranças, apoiar minha mão sobre meu coração e deitar encolhida abafando meu choro, porque é uma dor só minha, uma dor que preciso vivê-la sozinha, uma dor que precisa consumir meu corpo e minha alma para, enfim, eu me libertar. Uma dor que ninguém tem que perguntar o porquê, que ninguém precisa me acalentar, porque é minha, só minha e só eu sei. Só eu sei a mistura de todas as angústias, de todas as pontadas. Só eu sei a sensação do passado pontiagudo enfiar-se dilacerante sobre meu peito e ficar remoendo na ferida aberta, lembrando-me que eu ainda não me desapeguei e que me finquei mais fundo do que eu podia.

E apesar de todo esse egoísmo, tem gente que eu sei que não vai embora, tem gente que consegue formar um sorriso no meu rosto e fazer derramar algumas lágrimas de felicidade, porque nem tudo é fim de festa, fim de noite e fim do pouco de nós. E eu sei que posso seguir em frente, que eu tenho força pra isso, que eu tenho astúcia para o novo, que eu tenho idéias para o meu progresso, que eu tenho amor dentro de mim.

E acaba que alguém vem, pega um pouco da minha dor, limpa minhas lágrimas e aponta para o futuro, então eu rio e percebo que não estou só.


E que nunca estarei, apesar dos invernos cortantes da vida
.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Uma pitada de conversa Robertista

E depois de ter mastigado e engolido todos esses sentimentos, até então não triturados, eu fiquei esperando ansiosa pelo final da digestão. Foi a melhor opção, estava sem condições de ficar me digladiando com os peixes estranhos e cegos, foi por isso que resolvi mergulhar no silêncio da região abissal. Gosto bastante do silêncio, aliás, o silêncio tem sido a melhor música nestes últimos tempos. Depois é só sair sozinha, sem rumo e com todos esses pensamentos (e um caderno para anotar todas as receitas das idéias). No entanto, vomitarei toda essa pressão da vida antes do meu passeio, não quero levar pesos nem medidas, não mesmo. Eis que viver, também, é estar em resguardo do exterior, de todo esse calor, de todos esses peixes... E ando com tanta preguiça para esses peixes que fugir deles e se refugiar em mim vem soando tão reconfortante, que vou dar um murro na próxima pessoa a qual me falar que não ando vivendo.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Corda bamba.

Não quero que me doa nada hoje. Nem amanhã. Nem depois. Quero ponto final em tudo, quero que tudo chegue logo no final, que se acabe. Mas não quero isso de um todo querer. Quero de querer um pouco, a outra parte do querer fica na surpresa do mistério. Por isso meus quereres se dão tão bem. Pólos energicamente contrários. Falta, apenas, um pouco mais de emoção, de circo: malabares, cores, mágicas, brincadeira, risadas e piruetas. Só não falta a platéia. É um espetáculo para poucos, ou ninguém - além de mim - ou apenas um par, quem sabe. Talvez, no final, eu descubra o ímpar: só o eu.

Por enquanto, sou equilibrista e nada mais.